Eu vos imploro, multidão das sombras silenciosas, deuses dos mortos, caos cego, obscura habitação do tenebroso Plutão, antros da horrível morte situados nas margens do Tártaro.
Deixai vossos suplícios, ó almas, acudi para estas novas núpcias.
Pare a roda que torce os membros de Ixião, de modo que ele possa pisar a terra; beba Tântalo em paz as águas do Pirene.
Vinde todas, ó Danaides, iludidas pelo vão trabalho de vossas urnas sem fundo: este dia precisa das vossas mãos.
A pedra que desliza para baixo liberte enfim Sísifo. Somente o sogro de meu marido deverá receber um castigo ainda maior.
E agora, chamado pelos meus encantamentos, ó astro da noite, vem com o teu mais funesto rosto, tendo a ameaça sobre a tríplice fronte.
Para ti, conforme o hábito de nossa raça, soltei os laços de minha cabeleira; percorri a pés nus os lugares mais secretos dos bosques; tirei a chuva das nuvens secas; remexi os mares nas suas profundezas: o oceano, quando venci as marés, teve de fazer recuar as apertadas ondas.
Também o céu, perturbado em suas leis, viu no mesmo momento o Sol e as estrelas; e as Ursas trocaram o mar, que lhes é interditado.
Mudei a sequência das estações: em pleno verão a terra cobriu-se de flores, graças aos meus encantamentos; e forcei Ceres a dar uma colheita em pleno inverno.
O impetuoso Fásis fez subir as ondas para o nascente; e o Híster, que tem muitas fozes, deteve preguiçosamente suas águas ameaçadoras entre as margens.
As vagas estrondearam; o mar inchou-se furiosamente, embora os ventos não soprassem; minha voz imperiosa fez desaparecer as sombras numa antiga floresta e voltar ali o dia; Febo parou no meio de sua corrida e a constelação das Híades, abalada pelas minhas magias, vacilou.
Eis o momento, ó Febo, para assistir ao sacrifício que preparei para ti. Para ti a minha mão sangrenta entrelaçou estas grinaldas amarradas com nove serpentes. Para ti peguei estes membros que foram de Tifeu, o rebelde que abalou o império de Júpiter.
Eis o sangue do pérfido Nesso que ele mesmo me deu no momento de morrer; eis a cinza recolhida na fogueira do monte Oeta, cinza que ficou embebida do veneno que fez morrer Hércules.
Este archote pertenceu a Alteia, irmã piedosa e mãe ímpia em sua vingança. Estas penas foram deixadas no seu antro inacessível por uma Harpia, que fugia perante Zetes. Acrescentem-se estas plumas de uma ave do lago de Estínfalos, ferida pelas flechas mergulhadas no sangue da hidra de Lerna.
Ó altares, ouvi vosso sinal: compreendo que as minhas trípodes são agitadas por uma deusa propícia.
Autor: Sêneca
Obra: Medeia
Trecho: versos 740-786
Tradução: Guilio Davide Leoni
Imprenta: Coleção “Os pensadores”, Abril Cultural, 1985.
* O texto aqui reproduzido constitui uma expressão cultural da Antiguidade latina e foi selecionado como amostra exclusivamente para fins de pesquisa. Seu conteúdo não reflete a opinião do professor responsável pela postagem.
Categoria: Teatro latino , Textos latinos
Tags:Sêneca